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Relação Médico Paciente

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Dr. Nicola Tommasino

Médico homeopata em São Paulo, Capital

 

Sobre o tema há diversas obras espalhadas pelas bibliotecas.  Vários autores escreveram a respeito, mas buscarei escapar ao convencional e enfocarei o assunto sob outro ângulo.  A princípio, poderá parecer contraditório, absurdo até, mas tenho absoluta convicção que aos poucos se tornará clara a mensagem que pretendo deixar, que será por certo, o testemunho de minha participação, como um depoimento elaborado no trabalho de praticamente vinte anos de exercício profissional, tempo suficiente para o acúmulo de certa experiência, que me outorga a disposição e a coragem de ser original.  O tema é Relação Médico Paciente: pois bem, vou chamá-lo de Relação Paciente Médico.

Porquê? Expliquemo-nos:

Muitos autores célebres nos legaram sua opinião a respeito do assunto que, por ser necessário, vou fazer uma síntese dos mais famosos, começando pelos mais próximos de nós, até os mais distantes.

Kent enfatizou o aspecto moral do médico e o conhecimento da verdade; quanto à moral, ancora na integridade a condição básica para conduzir-se rumo a uma finalidade: de curar, de respeito, apreço e a mais valiosa condição de uma consciência completamente pura, livre de remorsos. Afirma, que o médico deve manter-se em estado de pureza, humildade e inocência e, que deixando de ser assim certamente falhará.  Destaca também que o médico deve ter um profundo conhecimento do coração humano, prudência e paciência. Deve ser conhecido como um homem honrado em quem se pode crer.

Hanhemann deu uma visão minuciosa do que pensava a respeito do médico, basta lembrar os inúmeros parágrafos em que se dedica a esse assunto, porém desejo lembrar, de modo resumido o que escreveu sobre esse aspecto específico. Dizia, quando tiverdes que escolher um médico, procure guiar-se pelo que segue: escolhei um médico que jamais se mostre grosseiro; que nunca se irrite, salvo a vista de uma injustiça; que não desdenhe de pessoa alguma, salvo os lisonjeadores; que jamais emita uma opinião sem prévia reflexão; que não dissimule o mérito de seus colegas e não faça auto elogio. Enfim, um amigo da ordem, da tranqüilidade, um homem de amor e caridade.

Paracelso ainda mais drástico, admite uma verdadeira predestinação, colocando o médico ante os desígnios divinos.  Dizia ele: Deus somente confiará os enfermos ao médico, quando se aproxima a hora da redenção.  Por isso, os médicos inábeis seriam os demônios do purgatório.  Define o médico como servidor e ministro da natureza.  Deus exerce seu poder através dos médicos, daí cada médico deve esforçar-se num estudo constante e cotidiano para alcançar a máxima da ciência e experiência.  Deverá possuir conhecimentos outros que da estrita medicina.  Enfim, exigia-se muito do médico.

Hipócrates o pai da medicina. Para todos os enfermos, o médico será sempre o homem que lhes devolverá a saúde, primeiro pelo preparo científico, segundo e principalmente, pela fé que inspira na compreensão do coração humano. A hierarquia ético-científico-filosífica é a mais alta diretriz no exercício de sua atividade. A arte de curar é pessoal, subjetiva e intransferível e, motra-se pela vocação e vontade de ajudar ao enfermo a curar-se ou morrer. O médico precisa fazer seu o sofrimento do enfermo – empatia e, não pode exercer com eficiência sua profissão, se não sente a paixão por socorrer ao seu próximo com o auxílio de sua sabedoria e coração. A profissão médica, deve ser um privilégio para os espíritos superiores, que reúnam condições de inteligência, elevados sentimentos de solidariedade, bondade e simpatia e, que saibam compreender a parte ética dos costumes que existem por moral.  Portanto não há grande diferença entre a medicina e a filosofia, porque todas as qualidades de um bom filósofo, devem encontrar-se no médico.  Hipócrates, com isso, assinalou as condições que deve reunir o homem para ter a honra de ser médico, se é que não queira exercer a arte como um ofício subalterno, vulgar; disposição natural, inclinação ao estudo, amor ao trabalho e aplicação eram as premissas, os postulados de Hipócrates.

Com essa rápida retrospectiva assinalamos o que existe de clássico.  Daí, a nossa pergunta é: porquê ao médico se atribui tanta carga, responsabilidade e ao paciente nada, ou quase nada?  Pelo menos não conheço trabalho algum que tentou fazer um juramento que o paciente devesse seguir.  Antigamente um quadro, que era encontrado em farmácias, afixado nas paredes, onde um doente moribundo num canto de uma saleta, na penumbra, quando entra o médico, figura representada com santo, asas de anjo, trazendo esperança em seu semblante.  Ao lado, com o doente já restabelecido com o quarto iluminado, saía o médico representado a figura do diabo com chifre e tridente (certamente porque cobrou a conta).

No início de minha carreira, no vigor do entusiasmo próprio dessa fase da vida, atendi a um paciente de dezessete anos, trazido por algumas pessoas, todo ensangüentado, em choque.  Fora esfaqueado no tórax; após mais ou menos dez minutos, com sangue na veia e os demais requisitos próprios, já estava sendo operado.

Clinicava na época num pequeno hospital do interior do Paraná, com dois colegas (José Laércio do Egito e Matheus Marim). Após alguns dias, completamente recuperado o paciente, recebeu alta, era chegada a hora de acertar a conta com o pai.

Que decepção, ele negara-se a pagar, achou caro e, como se não bastasse, completou dizendo: o caso não era tão complicado, se fosse, vocês não teriam dado jeito.

Essa expressão jamais esqueci, essa decepção foi marcante, não pelo fato de não ter recebido absolutamente nada, mesmo sabendo que ele pudesse pagar, mas sim pelo modo como agiu para justificar sua atitude, menosprezando todo nosso empenho para salvar a vida do garoto.

Bem, com essa história, só quero alertar a todos que diariamente, em algum lugar, certamente algum colega está passando por ela.

Poderia enumerar tantos outros fatos ou contingências onde fica patente o descaso do paciente para com o profissional, desde a falta à consulta sem dar a menor satisfação, passando pelo cheque frio, pela ameaça de processo, pela chorada maliciosa e tantas vezes injustificada no preço da consulta, por aquela que é filada, pelo atraso devido ao pouco respeito, pela mentira deslavada, pelo desrespeito ao ambiente do médico, pelo abuso do telefone e número, hora e tempo, enfim, por tantas atitudes, não merecedoras por parte do médico.

Enfim, porquê tudo isso? Porquê essa falta de respeito para com uma figura que apenas tenta sobreviver nesta sociedade em que o médico ganha no sistema socializado e gasta no capitalista?

Não será porquê o médico foi alvo de responsabilidades excessivas, não tendo o direito de errar, ou pelo menos errar tanto quanto os outros homens?

Porquê ao médico é atribuída uma missão que deve ser cumprida com uma infalibilidade quase sobre-humana?

Talvez nós mesmos sejamos culpados.  Não propugno abandonar o juramento de Hipócrates que data de 24 séculos.  Mas sim, deixar neste artigo uma semente, para que se reforme, para que se atualize, para que se adapte às condições ético-sócio-econômicas de nosso tempo, porque é necessário que o médico seja visto com outros olhos, nem como anjo, nem como demônio, mas sim como uma entidade viva no cosmos em que vivemos, para que sendo assim, será tratado como tal e terá por certo deveres a cumprir, mas receberá também do seu paciente, da sociedade, um tratamento adequado, coerente sem dele ser exigido uma infalibilidade que ninguém possui.

Tenho total convicção que a relação médico – paciente será incrementada quando essa premissa de deveres e obrigações existir também para o paciente.

Portanto, seguindo o caminho do meio preconizado por Buda, nem tanto ao céu, nem tanto à terra, quero dar aqui o testemunho de que o médico foi em certa medida esquecido pelo paciente, preterido pela sociedade e inadequadamente tratado pelo poder público e o que é muito pior, pelo próprio médico empresarial.

Sempre foi exigido do profissional um comportamento exemplar dignidade, honestidade e inumeráveis outras qualidade e virtudes.  Sobre os ombros do médico todos colocaram pesos, obrigações; mas ninguém lembrou-se de retribuições.

Meu recado aos jovens colegas que atuam nas entidades de classe, nas faculdade, lutem para que se ensine Ética Médica adequadamente ao médico e, que se estabeleça um conjunto de normas que enfatizem a necessidade de o paciente também cumprir regras.

Daí sim, a relação médico – paciente será uma equação de verdadeira troca de energia, afeto e respeito.

Espero que isto ocorra o quanto antes e, incito a todos refletirem no Juramento do Paciente, que poderia ser, por  exemplo:  o paciente deve amar ao médico tanto quanto for por ele amado.

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