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Teoria Vertebral do Crânio

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Prof. Dr. Irany Novah Moraes

Renato Lochi foi o maior didata que conheci. Uma de suas mais belas aula magistrais, no Departamento de Anatomia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foi sobre a teoria vertebral do crânio. Reproduzir um fragmento, tirado das anotações que guardei durante meio século, é a melhor homenagem que lhe posso prestar, para comemorar seu centenário, pois que nasceu a 7 de maio de 1896, em Anhembi, São Paulo.
Assim vejamos: uma vértebra, apreciada em separado, tem um corpo e dois pares de prolongamentos, formando arcos, sendo um anterior ou ventral — arco visceral — e outro posterior ou dorsal — arco neural —. A série dos corpos vertebrais considerados, colocados uns sobre os outros, resultara em um eixo. O conjunto dos arcos viscerais formará a cavidade visceral, enquanto o dos arcos dorsais, a cavidade neural. Esta contém, o sistema nervoso central, cujo desenvolvimento, em sua extremidade superior determinará modificações no esqueleto. Embriologicamente, pode-se dizer que, numa fase muito primitiva, haja homologia, ou seja, equivalência de forma entre os ossos da coluna vertebral e aqueles que constituem, no adulto, o esqueleto cefálico.
Tais modificações, observadas nesse segmento da coluna vertebral, relacionam-se diretamente com a evolução e crescimento de seu conteúdo. Assim, o encéfalo condiciona o esqueleto que o contém a um desenvolvimento adequado para envolvê-lo.
No homem, bem como em alguns animais superiores que têm, também, o sistema nervoso desenvolvido, os arcos dorsais das vértebras primitivas afastam-se para formar a cavidade neural. Para completar a abertura, assim estabelecida, surgem ossos de origem membranosa. Esse fato não ocorre nos animais inferiores com cérebro pequeno.
Goethe, em 1790, elaborou a chamada teoria vertebral do crânio. Confidenciou-a, em cartas particulares, a Oken, que as guardou durante vinte anos, divulgando-as depois, como idéias próprias. Essa teoria foi arquitetada em torno da idéia de ser o crânio constituído de tantas vértebras modificadas quantas são suas peças. Certas particularidades, como ocorre no osso occipital, induzem ao fácil entendimento de sua analogia com vértebra, ou seja, o occipital tem função equivalente à de uma vértebra. A base desse osso em tudo se assemelha a uma verdadeira vértebra — é uma vértebra modificada.
A corda dorsal do embrião corresponde á coluna primitiva; suas marcas estão nos corpos vertebrais o seus resquícios embrionários, persistentes no adulto, correspondem ao núcleo pulposo dos discos intervertebrais. Embora possa haver uma linha de analogia imaginária ao longo de toda a coluna vertebral até o dorso da sela túrcica, no esfenóide, dai para cima os ossos do crânio não são mais homólogos às vértebras, esvaece a semelhança. O esqueleto deixa de ser metamerizado, mas continua segmentado. O estudo do embrião oferece elementos que permitem estabelecer limite entre a parte metamerizada e a segmentada.
Se por um lado uma revisão autogenética permite esse raciocínio também, a filogênese propicia outros elementos sugestivos de sua veracidade.
Assim, a anatomia comparada mostra nos animais superiores, por serem dotados de maior vida de relação, maior desenvolvimento do esqueleto ósseo ao redor do sistema nervoso central, em detrimento das dimensões do esqueleto da face. Essa visão é mais evidente quando se comparam os ossos da cabeça do homem com os de certos macacos.
O crânio no homem possui uma porção metamerizada adquirida secundariamente. Em teoria, o embrião evolui da seguinte forma: o crânio primitivo, sendo insuficiente para conter o encéfalo, tão desenvolvido no homem, necessitou englobar certos ossos vizinhos para ampliar-se. As vértebras da porção superior da coluna foram assim incorporadas. O crânio adquiriu então uma porção, provinda das vértebras modificadas, situadas acima da vértebra atlas. A cúpula craniana é fechada por outro contingente de ossos neoformados.
Nos animais inferiores o neurocrânio se reduz ao paleocrânio, enquanto no homem, além deste, há ainda o neocrânio. O contingente pertencente ao paleocrânio è essencialmente segmentado, e satisfaz a teoria vertebral do crânio, ao passo que o neocrânio tem uma porção vertebral secundariamente adquirida — occipital —, e outra não vertebral — cúpula craniana — de origem desmal.
O osso occipital compõe-se, no mínimo, de duas peças vertebrais. A abóbada craniana tem uma porção secundariamente formada. O primitivo neurocrânio é, no princípio, de origem exclusivamente cartilagínea, por ser formado pela coluna vertebral modificada em sua parte superior, que persiste nesse estado, nos animais inferiores onde o condrocrânio é suficiente para conter o encéfalo. Nos animais mais evoluídos, que apresentam aumento do encéfalo, aparecem ossos de origem membranosa, constituindo o desmocrânio, em quase totalidade, a calota craniana.
Locchi, com palavra erudita, timbre vibrante, gesticulação incisiva, dedo em riste, transmitia a luz da inteligência de Goethe, que enxergou a unidade dentro da variedade. Assim, ensinava ao jovem como procurar as leis que regem os fenômenos da natureza, estimulando, com entusiasmo, o permanente crescimento intelectual daqueles que tiveram o privilégio de conviver com ele e se tornaram seus eternos admiradores.

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