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Temos que discutir remuneração de varizes.

tratamento-varizes

Vejo várias iniciativas diferentes visando o aumento dos honorários cirúrgicos na cirurgia vascular. Vou falar aqui especificamente de varizes, carro chefe de nossa especialidade. A SBACV Rio lançou seu ROL da Vascular em 2018, que já está em sua 4ª edição, e o mesmo foi parabenizado pela AMB em carta à diretoria, mas trás também opiniões opostas (escrevi antes do reconhecimento da nacional). Ao mesmo tempo, há iniciativas de codificação e negociações diferentes por diversas outras regionais, e também grupos com ideias diferentes. O approach tem sido diferente por cada grupo, embora o objetivo seja mais ou menos o mesmo: aumento dos honorários cirúrgicos finais. Digo mais ou menos porque temos que excluir desses grupos aqueles que por outras razões tem o interesse de diminuir ou manter os honorários cirúrgicos por pertencerem ou trabalharem em operadoras que disso se beneficiariam, e existem aqueles que por rixas pessoais esquecem-se de objetivos maiores. E temos que excluir aquele aumento financeiro final que não seja por honorário cirúrgico, e sim por venda de material ou serviço hospitalar. Por isso, é importante o disclosure aqui: não trabalho para nenhuma operadora de saúde, tenho diminuído meus credenciamentos exatamente por discordar da remuneração e tenho focado no reembolso médico e na desospitalização. O foco ideal é o relacionamento médico-paciente, com o objetivo de resultado para o paciente. Sempre que forem ouvir alguém sobre esse assunto, peçam um disclosure antes do posicionamento.

As iniciativas reais, que realmente visam o aumento dos honorários cirúrgicos tem as seguintes premissas: bloqueio de inserção de novos procedimentos no ROL da ANS, aumento do valor da tabela mínimo para pagamento ao médico, contratualização com hospitais, negociações em grupos e aumento do numero de códigos envolvidos no procedimento. Vou discorrer sobre elas.

Com relação ao  bloqueio de inserção de novos procedimentos no ROL da ANS, as novas técnicas de termoablação por laser e radiofrequência não são automaticamente considerados como obrigatórios por causa da RESOLUÇÃO NORMATIVA – RN Nº 387, DE 28 DE OUTUBRO DE 2015 no seu art. 12, que diz: “os procedimentos realizados por laser, radiofrequência, robótica, neuronavegação ou outro sistema de navegação, escopias e técnicas minimamente invasivas somente terão cobertura assegurada quando assim especificados no Anexo I, de acordo com a segmentação contratada.” Ou seja, laser e radiofrequência só entram no ROL se devidamente especificados. Há um desejo inconsciente, e em alguns até consciente demais, de manter as termoablações dessa maneira, assim, não havendo cobertura pelos convênios, o médico sente-se no direito de cobrar valor extra do paciente pois o procedimento não é coberto. Hoje já está mais do que claro que as termoablações são preferíveis ao stripping (não vou entrar em assunto técnico aqui), e nós, como médicos, temos que incentivar a adoção de tecnologias benéficas para os pacientes, e não as limitar para benefício próprio. Defender a não inserção da técnica no ROL, é não defender a saúde do paciente. Assim como na video laparoscopia, que levou um tempo para ser aceita, até que entrou na rotina, assim será com as termoablações. Além disso, ao cobrar taxa extra pelo uso do laser em cirurgia, o médico cobra pelas despesas hospitalares ou pelos honorários médicos? Temos sim que incentivar a adoção de técnicas benéficas para os pacientes. Não estou falando que temos que abrir mão de honorários decentes. Mas para o médico cobrar despesas hospitalares ele tem que arcar com a desospitalização, pois um paciente não pode ter duas contas hospitalares, uma do médico que leva laser e fibra e outra do hospital como conta aberta para o convênio. Até pode… mas não é uma situação sustentável. Assim como muitos já perceberam, os hospitais vivem de MATMED, e não tem interesse em deixar a situação como está, vão progressivamente dificultando essa dinâmica. É uma briga que o médico não tem força para ganhar: médico vs hospital, médico vs operadora, e, nesse caso, indo contra a saúde pública, estaria também médico vs paciente. O mesmo aconteceu recentemente com a adoção das técnicas de espuma e houve comoção geral pedindo maiores valores. Se a saúde no Brasil é um direito de todos, e um dever do estado, novamente, brigar contra a adoção de técnicas benéficas é uma briga perdida.

Com relação ao aumento do valor da tabela mínima para pagamento ao médico há alguns problemas, muitas vezes no Brasil a tabela mínima torna-se valor máximo. Um bom exemplo disso é o próprio ROL da ANS, que é uma tabela de procedimentos de cobertura obrigatória mínima, as operadoras poderiam cobrir procedimentos não inclusos no ROL da ANS, mas são raras as que tem isso como política. Nesse caso a lista mínima virou lista máxima. E, ao estipular um valor mínimo há um nivelamento por baixo, que não reflete as realidades locais de cada um. É evidente que valores podem e devem diferir entre estados, cidades e regiões, e isso deve ocorrer pelo livre mercado, lei da oferta e da procura. Qualquer tentativa de impedir a atuação do mercado nesses valores é política sindicatizante, cartelizante. A CBHPM, que possui método de valorização dos procedimentos teve em um momento caracterização de cartel. Vejam em (https://www.conjur.com.br/dl/trf-decide-cfm-nao-tabelar-honorarios.pdf ) “RESOLUÇÃO. TABELA DE HONORÁRIOS. COMPETENCIA. COAÇÃO. 1 – Os Conselhos de medicina não podem impor tabela de honorários (CBHPM), sob pena de violação da liberdade contratual. 2 – A fixação de honorários profissionais mínimos pelo Conselho Federal não se enquadra nas atribuições deferidas pela Lei nº 3.268/57, mesmo que o faça a título de impor um padrão mínimo e ético de remuneração dos procedimentos médicos, para o Sistema de Saúde Suplementar.” De modo que qualquer tentativa de padronização de valores pode ser vista como cartelização. Nesse caso a briga é entre sociedades vs operadoras, mas a saída não está por aí.

No caso de contratualização com hospitais, o médico transfere todo seu poder de negociação ao hospital, deixando-o negociar por si, mas obviamente os interesses financeiros não são os mesmos. Os hospitais tenderão a aumentar os valores das despesas hospitalares, negligenciando ou mesmo contrapondo aos honorários médicos. Aqueles que terceirizam a negociação para os hospitais muitas vezes estão felizes por estarem em grandes centros, que tem alto poder de barganha, sentem-se valorizados e importantes, mas esquecem-se que se tornaram meros produtos nesses centros, e que podem facilmente serem substituídos por produtos mais “em conta” ou “mais controlável”, perdendo seu poder decisório. Qualquer empresa querendo aumentar lucro vai mexer em dois fatores: aumentar o valor de venda e diminuir seu custo. Nessa situação o médico entra em diminuir o custo do produto, aumentando a margem de lucro. Simples assim. Nesse caso a comodidade, o ego, a tradição, a terceirização acaba sendo o inimigo final do próprio médico que em pouco tempo estará se perguntando como outra equipe mais barata assumiu seu posto se seu serviço tem qualidade, e outras centenas de lamentações que já ouvi.

Negociações em grupos funcionam bem em regiões mais limitadas, havendo uma manipulação da lei da oferta e da procura. Embora seja eficaz, não deixa de ser cartelização e estar sujeito à essa caracterização. O mercado não perdoa, havendo muito de um “produto” disponível, o preço baixa. Assim como um ex-candidato a presidente comparou uma vez os médicos a sal: “Branco, barato e tem em todo lugar”. Não podemos fechar os olhos para a realidade, pois ela vai atropelar a todos. Foram abertas muitas faculdades. Muito médico vai entrar no mercado de trabalho, e sim, muitos estarão atuando em nossa especialidade. O aumento de especializações, pós, cursos, pode ter efeito contrário ao esperado e abrir o mercado para os não especialistas. E é óbvio que isso vai impactar nos honorários de todos. Qualquer tentativa de manipulação do mercado neste ponto é autolimitada, pode durar algum tempo, mas naturalmente alternativas mais baratas vão surgir. Temos que aceitar essa realidade e direcionar forças onde realmente elas podem ser produtivas, na exigência de qualificação, nos requisitos técnicos para exercer atividade e melhora de resultados. Sim, em algum momento o mercado vai mudar de um sistema pay per service para um sistema pay per result. Onde atualmente vejo uma transferência do risco do negócio, a seguradora, que por definição tem seu lucro calculando riscos, passaria a responsabilidade pelo risco para o hospital, assegurando sua segurança no negócio, uma distorção incrível da realidade, e, o pior é que está sendo entregue embrulhado como um presente, mas é um cavalo de tróia a médio e longo prazo.

Em último falo do aumento do numero de códigos envolvidos no procedimento, que, na minha visão é o melhor a ser feito em curto prazo. Para todos envolvidos em tratamento de varizes é muito claro que existem casos mais fáceis e casos mais difíceis. Alguns dão mais trabalho e outros menos trabalho. Veias que são tratadas de uma maneira e outras de outra. Mas, apesar disso, e de existirem vários códigos para varizes na AMB92 (sim, ainda muitas operadoras se baseiam nela apesar de ter mudado o nome e código da tabela), ainda há a tendência de resumir todo tratamento de varizes em um código só: TUSS 30907136

Referente ao procedimento: Varizes – tratamento cirúrgico de dois membros.

Figura 1- Exemplo da complexidade de tratamentos disponíveis na grande variação clinica da doença venosa (Amato. ACM. DOENÇA VENOSA CRÔNICA: VARIZES, INSUFICIÊNCIA VENOSA E REFLUXO VENOSO In: SECAD 2018)

Apesar de ser uma doença complexa, com uma amplitude enorme de apresentações clínicas (Figura 1), há evidente supersimplificação do problema caracterizando a todos como “cirurgia de varizes bilateral”. Para o hospital não faz diferença, pois a conta feita de forma aberta e taxas não mudam com a codificação utilizada e o interesse do hospital é que a cirurgia ocorra, independente dos honorários médicos. Resumindo, se a cirurgia é facilmente autorizada com um código, não há razão para o hospital lutar por mais um código, difícil de ser liberado, se os valores hospitalares não mudam drasticamente. Alguns colegas também especializam-se em microcirurgias realizadas com porte de macrocirurgia, beneficiando-se do código cirúrgico. Mas estes mesmos seriam maiores beneficiados ao cobrar por veia retirada e desospitalização. Lembro que existem os seguintes códigos na TUSS, muitos subutilizados:

TUSS: 30907136 Varizes – tratamento cirúrgico de dois membros

TUSS: 30907144 Varizes – tratamento cirúrgico de um membro

TUSS:  30907101  Tratamento cirúrgico de varizes com lipodermatoesclerose ou úlcera (um membro)

TUSS: 30907071 Fulguração de telangiectasias (por grupo)

TUSS: 30907063 Escleroterapia de veias – por sessão – sem insumos

TUSS: 40902064 Doppler colorido intra-operatório

TUSS: 30907012 Restauração de fluxo venoso ou Cirurgia de restauração venosa com pontes em cavidades (que fique claro aqui o “ou” na descrição)

O ROL da SBACV Rio recomenda a utilização dos dois códigos para cirurgia de varizes: 30907136 Varizes – tratamento cirúrgico de dois membros e 30907012 Restauração de fluxo venoso. Nesse caso, não há discussão de valores a serem cobrados, mas sim dos códigos solicitados, evitando a cartelização como ocorreu ou pode ocorrer em outras modalidades de negociação. Os códigos remetem a portes cirúrgicos ou valores de CH, que evidenciam a complexidade do procedimento perante outros procedimentos. Apesar de concordar com a atuação nos códigos para a valorização do tratamento, acredito que mantém o aspecto de supersimplificação, ou seja, todos os pacientes são iguais e tratamentos também. Em edições anteriores a publicação citava valores, remetendo ao erro da tabela mínima que vira máxima. Não havendo valores na tabela, a negociação cabe ao profissional, e não à sociedade, mas tem o respaldo da complexidade atribuída ao procedimento. Também é muito evidente a diferença técnica entre uma microcirurgia e uma safenectomia, portanto, deveríamos valorizar nosso trabalho mostrando a complexidade da doença e suas diversas apresentações, que requerem tratamentos diversos. Atualmente as operadoras entendem que no código de cirurgia de varizes bilateral, inclui a escleroterapia, a fleboextração de Müller, a microflebectomia, a ligadura de perfurante, a safenectomia por stripping, o redirecionamento de fluxo da CHIVA e ASVAL, entre outras, porque, da última vez que ouvi um auditor falando, era o “entendimento da operadora”. Isso sem mencionar as técnicas ainda não listadas no ROL da ANS. Se não nos posicionarmos firmemente e haver discordâncias internas, haverá sempre um “entendimento” diferente que beneficiará aquele com maior poder na negociação, a operadora. Cada uma das técnicas utilizadas na cirurgia deve ser devidamente remunerada e valorizada pelo próprio cirurgião, que não deve menosprezar seu trabalho colocando toda técnica e prática num mesmo pacote. Ou, se colocar, tem que entender que não adianta usar de subterfúgios para cobranças “por fora”.

Não há um manual de interpretação das tabelas de códigos, e é aí que devemos atuar.

As sociedades e grupos devem se fortalecer nesse ponto, pois o entendimento da tabela deve ser de quem mais entende do assunto, o especialista. Senão estaremos nas mãos do “entendimento” da operadora ou de seu auditor que tem por único objetivo diminuir custos para operadora e não realizar o tratamento do paciente.

Quando vejo colegas solicitando à sociedade por negociação de valores com as operadoras, entendo o desespero e o reconhecimento de baixo poder de negociação, tentando transferir a responsabilidade da negociação para uma entidade de classe com teórico maior poder de negociação. Mas essa não é a responsabilidade de uma sociedade médica, é sim de um sindicato. E, além disso, esse poder teórico de negociação não existe. Em todas negociações, está em vantagem aquele que detém o tempo, o poder e informação, e as sociedades médicas não possuem nenhuma dessas características na negociação. Pois vejam, o tempo: quem está com pressa para mostrar resultado é a sociedade, os convênios querem demorar o máximo para mudar qualquer coisa; a informação: a sociedade não sabe as demandas da população daquele convenio; o poder: os convênios detêm o poder financeiro decisório. Qualquer aumento conseguido nessas negociações seriam meras esmolas, ou mesmo táticas sujas para coibir ou retardar outras negociações.

Os mesmos que buscam os serviços de um sindicato para melhorar e intermediar a negociação com seus “patrões” e comemoram o fim da contribuição sindical obrigatória e, portanto, sua “força” de negociação. O que é no mínimo contraditório, e, curiosamente pedem para outra instituição fazer esse papel. O médico no Brasil quer as oportunidades do capitalismo, com o poder sindical do socialismo. A culpa não é do médico. O sistema é complexo, havendo a medicina socializada (não socialista) do SUS, em concomitância com a medicina capitalista do mercado privado. É difícil coexistir duas realidades diferentes. Não adianta querer a segurança de um concursado em emprego público em um CLT de instituição privada, e não adianta querer as oportunidades financeiras do sistema privado em um sistema publico. Mas como disse, este artigo é somente sobre varizes e não vou me alongar. O único posicionamento aceitável para o médico, como pessoa, e não como um grupo é o desejo de melhorar a saúde de todos seus pacientes, custe o que custar, e valorizar mais o seu trabalho, deixando claro a complexidade do que realiza e assim aumentar seus honorários cirúrgicos. Com reconhecimento. A sociedade e grupos de vasculares devem unir-se para valorizar o trabalho profissional, evitando a supersimplificação de um tratamento complexo e melhor qualificando os profissionais.

Vamos deixar os únicos capazes de interpretar os códigos vasculares, que são os cirurgiões vasculares, assim fazê-lo e retirar essa interpretação dúbia das mãos dos convênios.

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